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O Valor do Design na Covilhã

Rui A. L. Miguel
Presidente do Conselho Estratégico da Candidatura


A candidatura da Covilhã a Cidade Criativa da UNESCO em Design é o corolário natural da importância que a indústria de lanifícios tem representado na história da cidade. O respetivo Plano de Ação 2022-2024 é vasto, diverso nas temáticas e culturalmente robusto, e respeita de forma transversal o embrião desta candidatura, a indústria da lã da Covilhã e o design que no seu âmago foi sendo desenvolvido, extravasando para a cidade e região, influenciando os seus modos de vida, mas também se constituindo numa fértil herança cultural, económica, social e técnica e, por isso, numa inesgotável fonte de inspiração.

O debuxo dos tecidos tem sido reconhecido ao longo dos anos como a alma da atividade industrial, influenciando por osmose o comportamento da sociedade. Assim, o design tem estado presente nas fábricas e na cidade, de uma forma espontânea, genuína e orgânica, embora sem se ter essa consciência, numa altura em que a intervenção do design não tinha ainda a intensidade e abrangência que tem hoje.

Com efeito, durante muitas décadas o projeto dos tecidos de lã foi gerido pelos debuxadores que se destacavam na classe por serem os de maior sucesso no mercado e que assumiam, aos olhos de hoje, o papel de “designers”. O projeto dos tecidos de lã constitui uma envolvência única de processos de design, desde logo visando a satisfação dos consumidores e a competitividade das empresas, assentando no desenvolvimento técnico e estético, que para além das mais evidentes, os padrões e o debuxo, contempla intervenções fantásticas de conhecimento intrínseco, mas também de sensibilidade experimental. Para ilustrar, refiram-se a elaboração iterativa das mesclas até às cores idealizadas; a subtil intensidade de feltragem dos tecidos de lã para alcançar o desejado design de superfície; a definição do toque e do cair dos tecidos, que transporta para uma atmosfera de emoções dominada pelos sentidos, resultando da mediação do design entre a sensibilidade estética do debuxador e os seus conhecimentos técnicos; a reutilização de desperdícios pré e pós-consumo, antecipando os conceitos de sustentabilidade e economia circular, através, por exemplo, da introdução do desperdício da penteação, constituído por fibras curtas, na composição de fios cardados.

O Plano de Ação 2022-2024 confronta a indústria da lã de ontem com a de hoje e realça o papel do design em ambas e na sociedade. É importante relevar o efeito da herança cultural ao longo dos tempos, nas fábricas e na cidade, bem como alimentar a circularidade das influências do design da indústria para a comunidade e vice-versa. Neste sentido, seguramente que o efeito multiplicador do design conduzirá, através da investigação e da criatividade, ao aumento da criação de valor nas empresas. Pretende-se que o design, enquanto mediador, continue a ter um papel motor no palpitar da “cidade fábrica” e no seu desenvolvimento global e sustentável, potenciado agora pela condição da Covilhã como “cidade do conhecimento”. Esta importância da mediação responsabiliza também o design pela valorização da dimensão intangível que compreende um conjunto rico de símbolos associados à indústria da lã, os quais constituem o impulso fertilizante da “fábrica” da criatividade e inovação.