Avançar para o conteúdo
Francisco Paiva
Diretor Executivo da Candidatura

Rede UNESCO de Cidades Criativas

Uma Cidade Criativa da rede UNESCO tem a missão de promover o desenvolvimento urbano sustentável e inclusivo, a partir de um compromisso com a criatividade e a cultura, aferido pelos 17 objetivos da Agenda 2030 da ONU. Desiderato que implica fomentar o talento das pessoas que vivem nessa cidade e criar políticas de atração e fixação de outros habitantes; devendo envolver os criadores na “reinvenção” da cidade e na melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.
A Rede de Cidades Criativas da UNESCO promove a cooperação entre cidades que identificaram a criatividade e a cultura como fator estratégico para o desenvolvimento sustentável e conta com 246 cidades, em 172 países, distribuídas por 7 áreas temáticas (Artesanato e Folclore; Design; Cinema; Gastronomia; Literatura; Media Artes; e Música) de entre as quais apenas 40 são Cidades do Design.
Sendo todas estas cidades distintas do ponto-de-vista geográfico, patrimonial, demográfico e económico, ao integrarem a Rede de Cidades Criativas da UNESCO, comprometem-se a desenvolver e partilhar boas práticas. Porém, se numa sociedade globalizada estes processos de internacionalização são indubitavelmente virtuosos, o modo como isto se articula e alcança levanta inúmeras interrogações e carece de compromisso político e de integração nos planos de desenvolvimento local, como recomenda a Declaração de Montréal (2017).
Juntam-se a estes objetivos gerais um conjunto de condições específicas para obter o reconhecimento no âmbito do Design, a saber:

  • Ter estabelecida uma indústria de Design;
  • Possuir uma paisagem cultural e construída influenciada pelo Design;
  • Ter escolas e centros de investigação em Design;
  • Ter grupos de criadores e designers com atividade no local e internacional;
  • Ter grupos de criadores e designers com atividade no local e internacional;
  • Acolher feiras, eventos e exposições dedicadas ao Design;
  • Integrar os designers, arquitetos e urbanistas na construção da cidade, tirando partido dos materiais locais e das condições naturais;
  • Ter indústrias criativas de Design (e.g. produto, moda, têxteis, acessórios, design de interação, design urbano, arquitetura, etc.).

Covilhã, Cidade do Design

Neste quadro, a Candidatura da Covilhã a Cidade Criativa da UNESCO consubstancia um vetor estratégico fundamental para a região, colocando o horizonte do desenvolvimento sustentável na Arte, na Cultura, no Conhecimento e na Inovação.
As cidades envolvem muitos aspetos de Design e a Covilhã não foge à regra: do construído ao espaço público, dos equipamentos à sinalética, dos serviços à interação digital, da indústria aos transportes, da água à infraestrutura verde, todos estes sectores se encontram muito dependentes da capacidade de projetar o Futuro. Também as metas de descarbonização e re-industrialização perspetivadas pelos novos fundos europeus passam pelo Design.
Não esqueçamos, pois, o anúncio recente de Ursula Van der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, de uma New European Bauhaus, com o propósito de fortalecer as relações entre Ciência, Tecnologia, Arte e Cultura, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, que visa precisamente articular sustentabilidade, inclusão social e estética, sem descurar a participação das pessoas que o vão implementar.
A identidade desta Candidatura e do seu Plano de Ação parte de um exaustivo inventário do contexto, ao mesmo tempo que diagnostica possibilidades de, através do Design e numa matriz transdisciplinar, promover um compromisso ativo e sistémico com a criatividade, a inovação, a ecologia e a transformação social.
Assim, de entre os argumentos que respaldam esta pretensão, destacamos os seguintes dez:

  • A Covilhã é uma cidade média que apresenta uma agenda cultural diversificada, com exposições, conferências, espetáculos, concertos, ciclos de cinema, festivais de teatro, festas populares, arte urbana, etc., que lhe conferem indiscutível centralidade e propicia um ambiente favorável ao desenvolvimento de Indústrias Criativas, embora com carências infra-estruturais, nomeadamente de um Hub criativo que promova a osmose entre criadores, públicos e agentes socio-económicos, de alcance internacional;
  • A cidade e a região beneficiam de uma indústria de ponta nos sectores tradicionais dos têxteis, confeções, agricultura e agro-indústria, vindo a diversificar a criação de empresas de serviços, para cuja consolidação, inovação e criação de valor, a criatividade e a investigação são fundamentais;
  • A Universidade da Beira Interior apresenta a uma das mais abrangentes ofertas académicas do país em Design (Multimédia, Comunicação, Têxtil e Moda, Industrial, Produto, Jogos Digitais), complementada com cursos afins em Media Artes, Artes Visuais, Cinema e Arquitetura. Cursos que, no conjunto, representam mais de 1000 alunos, 15% dos quais estrangeiros, que muito contribuem para o cosmopolitismo e para a economia local, representando inclusive uma oportunidade de rejuvenescimento demográfico. Além da UBI, a cidade conta com importantes estruturas de formação técnica em Design, como a AFTEBI e a MODATEX, complementada com a oferta em diversas áreas das engenharias;
  • A região beneficia de um contexto ambiental ímpar, na entrada do Parque Natural da Serra da Estrela, reserva da Biosfera Natura 2000 e Geopark da Unesco, que tem sido mote para a promoção do turismo de natureza e de hábitos de vida e produção sustentáveis, onde o Design (comunicação, mobilidade, serviços, etc.) pode ter certamente um papel determinante;
  • Dispondo de um valioso legado patrimonial, tendo na sua malha um conjunto numeroso de antigas fábricas devolutas ou em iminente ruína, qualquer estratégia de desenvolvimento urbano desta cidade deve considerar novos programas, modelos de projeto, de investigação, produção, fabricação e mesmo habitação. Neste âmbito, o Design tem impulsionado a mudança, como reconhecem as cartas de Cracóvia e de Leipzig para o rejuvenescimento das cidades, em linha com a Agenda Territorial da União Europeia e a Estratégia de Lisboa, que indexam a sustentabilidade ambiental à qualidade de vida;
  • Sendo a cultura e a criatividade determinantes para a criação de cidades mais cosmopolitas, abertas e tolerantes (www.worldcitiescultureforum.com), a Covilhã tem aqui uma oportunidade ímpar de inscrição numa matriz de políticas públicas convergente com os paradigmas da vida contemporânea e com os 11 Princípios da OCDE para a Política Urbana (www.forumdascidades.pt);
  • A Covilhã tem inclusive condições para integrar a dinâmica dos centros regionais STARTS (Ciência, Tecnologia e ARTS), que reúnem no âmbito do Horizonte 2020 parceiros institucionais em toda a
    Europa e fortalecem alianças de colaboração intra e entre regiões, em resposta aos problemas ambientais, desafios societais e resiliência das comunidades, em particular dos mais jovens e inconformados;
  • O futuro das cidades, tema do Forum2019 da prestigiada revista Domus, está intimamente ligado ao Design e coloca-se a diversas escalas, seja na resposta às alterações climáticas, às questões energéticas, às mudanças nas instituições, da imprensa à finança, à relação entre o urbano e o rural, o artificial e o natural, aos metabolismos ecossistémicos, às alterações laborais decorrentes da digitalização, à integração dos sistemas educativos num paradigma participativo e democrático, às questões alimentares e de mobilidade; tendo mesmo um papel determinante na inclusão e no combate à segregação espacial e à gentrificação;
  • O Design é um poderoso mediador. O Design do futuro será integrador de serviços e de campos profissionais outrora autónomos. O Design 1.0, de simples produtos, foi há muito ultrapassado pela omnipresença de ecrãs, com recurso a conteúdos transmediáticos, acessíveis em dispositivos híbridos, parametrizados por modelos de Inteligência Artificial. O Design 3.0 interessar-se-á pelo “System behind the Things”, a “Internet das coisas” e as estruturas de facilitação. Tais mudanças demandam cada vez mais um pensamento crítico, que a educação para o Design promove, mudando a questão de “como podemos fazer?”, para “será que podemos, com que benefício, e a que custo?”
  • O Design do Século XXI terá de contribuir para mudar organizações, estabelecer plataformas colaborativas de projeto e produção, projetando com as tecnologias mais sofisticadas, ao mesmo tempo que aproveita os ofícios coexistentes e preexistentes. Neste sentido, o Design ajuda, pois, a lidar não só com a complexidade e a contradição (Venturi e Scott Brown), mas essencialmente com a “ambiguidade”, como afirma Stephen Anderson em The Future of Design (2019).

Plano de Acção

Perante a complexidade e exigência deste processo de Candidatura, que não se resume nem se esgota no preenchimento de um formulário, antes exige uma estratégia de cooperação entre múltiplos agentes, com legítimos interesses específicos, estruturou-se um modelo orgânico que tem implícita a integração dos diferentes agentes da candidatura, em particular a Direção Executiva, a Equipa de Projeto, o Conselho de Curadoria, o Conselho Estratégico e a Direção Financeira, na dependência direta da Câmara, na pessoa da Sra. Vereadora da Cultura, que também articula uma importante Parceria, constituída por relevantes stakeholders de âmbito local, nacional e internacional, além de uma extensa Diáspora criativa e de amigos da candidatura.
A Equipa de Projeto, que tenho a honra de coordenar, embora tenha vindo a realizar trabalho de inventário e diagnóstico prévio, iniciou formalmente funções no início do Ano, e tem como propósito principal a apresentação do Dossier de Candidatura, com um Plano de Ação desenhado para 4 anos ( 2022/5), muito centrado na ação dos programadores integrados no Conselho de Curadoria, que visa intensificar a articulação com a Parceria, Comunidade local e a Diáspora, além de beneficiar das cumplicidades e programas que for possível realizar com outra cidades da Rede UNESCO.
O Plano de Ação considera, no curto prazo, a estruturação da plataforma Covilhã, Cidade do Design, cuja instalação está em curso, que assegurará no quadriénio 2022/5, entre programadores convidados e a estrutura, o desenvolvimento de 6 programas sectoriais, a saber:

PS01 Design, Indústria e Artesanato;
PS02 Design Têxtil e Moda;
PS03 Design, Cidade e Território;
PS04 Design, Cultura e outras Artes;
PS05 Design e serviços digitais;
PS06 Educação para o Design e Cidadania.

Tudo isto carece de uma agenda política adequada à dimensão dos desafios. Van der Leyen usa a Bauhaus como símbolo de uma revolução tecnológica humanizada, através de práticas projetuais transdisciplinares e colaborativas, que permitirão responder à altura do desafio da sustentabilidade do Planeta e da vida, num momento em que a tecnologia reestrutura a nossa sociedade, a paisagem cultural e o habitat, o Design pode ser esse mediador privilegiado entre a Arte, a Cultura, a Ciência e a Tecnologia, tornando a nossa comunidade mais resiliente e lúcida e ajudando-nos, retornando a Papanek, a desenhar o mundo em que gostaríamos de viver.

Poderá o Design ser essa força motriz?